Mesmo com uma lista de espera elevada, oito creches na capital estão com obras interrompidas deixando de oferecer 972 vagas
Cerca de 5.800 crianças de 0 a 5 anos estão fora de uma creche ou da pré-escola em Porto Alegre. Situação afeta diversas famílias, que deixam de trabalhar para cuidar de seus filhos.
Por Émerson Santos, Felipe Cardoso, João Pedro Espíndola e Leonardo Duarte
“Eu moro em um condomínio com a minha mãe, recebo o auxílio brasil de 400 reais, mas acabo tendo que comprar fralda, alimento e ajudar em casa. Como vou pagar uma creche privada se os valores são maiores que meu auxílio? Pela falta de vagas, fui prejudicada e já perdi várias oportunidades de emprego”, relatou Ketlen.
Entretanto, este dilema não é vivenciado somente por esta mãe. Andrielly Guimarães e Rosana Silva, também moradoras de Porto Alegre, seguem aguardando a tão esperada vaga, mas, enquanto isso, precisam buscar alternativas para conciliar a vida profissional com a criação dos filhos.
“A falta de vagas está me prejudicando muito e para resolver, estou pagando uma babá para minha filha, para poder trabalhar”, afirmou Andrielly.
Rosana, também está tendo que pagar alguém para cuidar de sua pequena, situação que está afetando a sua vida financeira.
“Sou mãe sozinha e sem rede de apoio. Para trabalhar, pago um valor para uma vizinha cuidar da minha filha. Este valor impacta diretamente na minha renda, tendo em vista que pago apartamento e tudo”, contou Rosana.
As creches Gente Miudinha, Filhotinho e Dente de Leite são instituições de ensino da rede privada, ficam perto de onde as três mães moram. Caso elas optarem por colocar seus filhos nestas creches no turno integral, teriam um gasto médio de R$920 de mensalidade dependendo de qual estabelecimento educativo escolher.
Mesma com uma rede escolar própria, Porto Alegre também conta com a ajuda de instituições de ensino parceiras
A Rede Municipal de Ensino de Porto Alegre, segundo dados de 18 de maio de 2022 fornecidos pelo Serviço de Informações ao Cidadão (e-SIC), tem a capacidade de atender na educação infantil, de 0 a 5 anos e 11 meses, 26.690 de mil crianças. As vagas disponibilizadas são fornecidas por meio de duas modalidades: a rede própria de ensino, formada por 98 escolas e pelas instituições conveniadas e parceiras que contam com 215 instituições.
Estes números representam um aumento discreto em relação ao mesmo período do ano passado, quando foram ofertadas 26.091 vagas. Esta situação vem gerando um aumento cada vez maior na já grande fila de espera para a Educação Infantil.
A coordenadora da Unidade de Educação Infantil da SMED, Julia Scalco Pereira, conta um pouco sobre os fatores que levam a essas dificuldades que a Capital está tendo para enfrentar e diminuir a lista de espera em busca de vagas.
“Diversos fatores levaram às dificuldades encontradas para diminuir/zerar a lista de espera de vagas, sendo mais crítica, no momento, a oferta às crianças de 0 a 3 anos. As escolas, de modo geral, precisaram se reorganizar para acomodar a oferta para as crianças do nível etário pré-escolar (4 a 6 anos), visto que é idade de matrícula obrigatória (segundo a lei 12.796/2013). Algumas escolas próprias de Ensino Fundamental, que tinham vagas de pré-escola também precisaram diminuir suas turmas ou até mesmo deixar de atender à pré-escola para realizar o atendimento também crescente de crianças de 1º ano do Ensino Fundamental, tanto em idade regular, quanto que não realizaram matrícula durante a pandemia”, explicou Julia.
A diretora da escola Ser Criança, Susana Fogliatto, que representa a Sindicreches em Porto Alegre, acredita que esse déficit de vagas ocorre devido a falta de investimento da prefeitura:
“No meu entendimento é pela falta de investimentos. A prefeitura tem pouquíssimos Jardins de Praça, como chamam, e, até pouco tempo atrás, abriam somente a tarde”, opinou Susana.
Os chamados Jardins de Praça foram os pioneiros na implantação da Educação Infantil na Capital. Apesar dessas unidades de ensino estarem inseridas em espaços reservados a brincadeiras e diversões, os Jardins de Praça são escolas de Educação Infantil, cuja proximidade com a natureza as aproxima das questões ambientais.
Como forma de diminuir a lista de espera de vagas, no início do ano foi sancionada a Lei Municipal N° 12.952/2022, que autoriza a prefeitura a comprar vagas em creches privadas. A oferta é direcionada às famílias que não conseguirem atendimento na rede municipal ou nas instituições comunitárias conveniadas com a administração pública da capital. Os valores por vaga disponibilizada e ocupada, pagos mensalmente pela prefeitura, são de R$775,22 para escolas com até 60 alunos; R$704,74 para escolas com 61 a 72 alunos; e R$646,01 para escolas com 73 alunos ou mais.
Entretanto, o número de vagas proporcionado para o edital foi pequeno e Julia afirma que a Smed está trabalhando para buscar novos parceiros para ajudar no aumento de vagas disponibilizadas.
“No primeiro edital de compra de vagas aberto, foi viabilizado um quantitativo pouco significativo (menos de 100 vagas) se comparado à demanda de vagas que seriam necessárias. A Secretaria tem realizado conversas e a sensibilização das organizações representantes das escolas privadas exclusivas de Educação Infantil, bem como está reformulando um novo edital de compra de vagas, com o intuito de captar novas instituições interessadas”, afirmou Julia.
Para Suzana, o valor que a prefeitura investe para aquisição de vagas não é o suficiente.
“O custo de uma escola infantil é muito alto, não tem como atender as crianças dentro da legislação e com qualidade por R$750 reais por mês”, contou Susana.
Busca por uma vaga na Justiça
A Constituição Federal de 1988 garante que é dever do Estado prover educação infantil, em creches e pré-escolas, às crianças de até cinco anos de idade. Em seu artigo de número 30, também diz que cabe ao município, em parceria com Estado e União, programas de educação infantil e ensino fundamental.
Mesmo com a Constituição Federal garantindo educação infantil às famílias, muitos pais tiveram que buscar seus direitos na justiça, assim aumentando a judicialização em relação ao tema. Segundo relato da defensora Andreia Paz Rodrigues, dirigente do Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, antes da pandemia, o órgão chegou a ter cerca de três mil processos em andamento junto ao 1º Juizado da Infância e Juventude do Fórum Central da Comarca de Porto Alegre.
Porém, segundo ela, isso deve-se ao fato que, anteriormente, os processo eram físicos e permaneciam na base de dados até a criança completar 6 anos de idade. Hoje, o processo para requerer vagas em escolas de Educação Infantil é somente online e possui constantes mudanças no número total de casos em andamento:
“Nós não temos um número atualizado, mas acreditamos que hoje deve estar em torno de 700 processos em andamento. Esse número tende a mudar a cada dia, porque nós entramos com várias ações durante a semana. Então, existe uma variação muito grande desses números de processo em andamento, pois aqueles que já tem decisão e não cabe mais recurso, acabam sendo arquivados”, detalhou Andreia.
A defensora Andreia Paz Rodrigues, também, ressaltou sobre a forma como uma família deve procurar na justiça uma vaga na educação infantil:
“No momento que a família não tem a vaga, que fez a inscrição e não obteve a vaga, ela já pode procurar acessar os seus direitos. Se a família tiver uma renda de até três salários mínimos mensais, a defensoria pública pode auxiliar nesse acesso à educação”, explicou Andreia.
Na próxima sexta-feira (03/06), a prefeitura de Porto Alegre junto com a Defensoria Pública irão assinar um termo de acordo que vai garantir a compra de 100 vagas nas creches da rede particular da cidade. “ Estas compras de vagas vão nos resolver algumas questões, claro que 100 vagas ainda é pouco pelo números de pessoas que temos na fila. Mas já é um começo, será um projeto piloto muito importante.”, comentou a defensora pública Andrea Paz Rodrigues.
Obras inacabadas são outro fator importante para a falta de vagas
Enquanto famílias aguardam pela oportunidade de suas crianças frequentarem uma creche pública, obras em escolas de Educação Infantil seguem paradas e proliferam-se pela Capital e Região Metropolitana.
A reportagem visitou uma dessas obras projetadas para se tornarem creches, a Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Jardim Leopoldina, na Capital, que está com a obra parada desde 2015. A empreiteira desistiu da obra, pois a Secretaria Municipal de Educação (Smed) não aprovou um aditivo no contrato.
A obra começou em 2013, era para ser entregue em 2014, onde a construção estava acima de 60% concluída. Agora, sem andamento, vai cada vez mais se distanciando de sua conclusão.
Essa queda no percentual de execução da obra deve-se muito à deterioração, devido ao tempo da obra parada, das árvores, que cresceram entre as frestas do cimento, entre outras causas.
Situação parecida com a que ocorre com a Escola Municipal de Educação Infantil (Emei) Colinas da Baltazar. A obra contratada em setembro de 2012, também deveria ser finalizada em 2014, mas a empresa responsável — Minussi & Zanini Construtora LTDA — solicitou uma prorrogação para concluí-la em 2015, o que não se cumpriu de fato. Desde então, o espaço está abandonado tanto pela prefeitura quanto pela empreiteira.
Entretanto, estas não são as únicas creches com obras interrompidas na capital gaúcha. Além das escolas visitadas, outras 5 instituições estão com os trabalhos interrompidos ou inacabados, deixando de auxiliar diversas famílias. Juntas, essas instituições deixam de gerar 972 vagas.
Essas creches, se estivessem prontas, fariam a diferença para muitas famílias. Isso não seria diferente para Ketlen Monteiro, que afirma que sua vida melhoria com a conclusão da obra de uma creche perto de sua casa:
“Melhoraria muito a minha vida, porque eu teria como largar minha filha no horário. Seria bem rápida a chegada lá para levar um medicamento, por exemplo. Se essa creche aqui da frente tivesse aberta e reformada, eu ia te dizer que estaria cheia de crianças nesse momento e muitas mães estavam agradecendo, porque é um quebra galho ter uma creche bem perto de casa”, afirmou Ketlen.
De acordo com Julia Scalco, coordenadora da Unidade de Educação Infantil da SMED, já está sendo feita análise sobre cada uma dessas unidades com as obras inacabadas.
“Está sendo realizada a análise atualizada da estrutura dessas edificações, para que se tenha um levantamento dos dados orçamentários necessários à continuidade da execução da obra. Cada caso vai ser analisado em suas especificidades, em alinhamento com o Gabinete do Prefeito”, relatou Julia.
Plano Nacional de Educação
O Plano Nacional de Educação (PNE) é uma lei brasileira que estabelece diretrizes e metas para o desenvolvimento nacional, estadual e municipal da educação. O Plano vincula os entes federativos às suas medidas, e os obriga a tomar medidas próprias para alcançar as metas previstas.
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas.
São 20 metas traçadas pelo PNE, uma delas é que todas as crianças até 05 anos de idade estejam sendo atendidas pela educação infantil, e que 50% das crianças de até 03 anos estejam sendo atendidas. A data final para que isso esteja ocorrendo é até 2024.
Conforme levantamento de dados no TC Educa, plataforma abastecida pelos Tribunais de Contas e que monitora o desenvolvimento das metas do PNE — em 2020, Porto Alegre estava na 16º colocação, entre todas as capitais e o Distrito Federal, dentro da meta de chegar a 100% das crianças na pré-escola. A plataforma ainda aponta que duas capitais apenas (Vitória e São Paulo) já conseguiram atingir a meta de ampliação em 50%.
“Vitória” na Educação Infantil
A reportagem entrou em contato com a secretária de Educação de Vitória, Juliana Rohsner, para saber quais foram as medidas utilizadas pela capital do estado do Espírito Santo para chegar aos melhores índices na Educação Infantil no país.
“Um conjunto de fatores possibilitam que a Educação Infantil de Vitória esteja no topo dessa lista. O município não trabalha com convênios, as unidades de ensino são todas próprias e os profissionais são do município. A maioria dos prédios também são próprios. Dos 49 Centros Municipais de Educação Infantil, apenas duas unidades têm sedes alugadas, mas é importante ressaltar que as equipes escolares são da rede. Há mais de 20 anos a capital capixaba fez essa opção: de gerir a Educação Infantil.
A capital capixaba possui um Sistema de Gestão Escolar que é utilizado em toda a rede e dentre outras possibilidades, oferta a vaga para a criança na unidade de ensino mais próxima do endereço da família. Caso a família não queira aquela vaga, ela pode indicar outra escola de interesse, mas entrará na fila de prioridades.
Outro diferencial da rede de Vitória são os profissionais. Entre os que atuam na Educação Infantil, a maioria são especialistas com pós-graduação e/ou mestrado e/ou doutorado. É importante destacar que desde essa etapa de Ensino, além dos professores “regentes de sala”, são ofertadas às crianças experiências curriculares com profissionais que possuem formação em Artes, Música e Educação Física, possibilitando assim a inserção das crianças nas diferentes linguagens.
Além disso, a rede de Vitória tem uma política de formação continuada em horário de trabalho, com os diferentes profissionais que constituem o contexto da Educação Infantil e atuam diretamente com as crianças, a partir de temáticas que envolvem o olhar às infâncias, fortalecendo a concepção de currículo.
Também merece destaque a produção de documentos norteadores do trabalho e da política Municipal da Educação Infantil, que vem se efetivando de forma democrática com o envolvimento de todos profissionais, comunidade, bem como das crianças”, relatou Juliana.