Brasil, integrante do Mapa da Fome, desperdiça 6 mil toneladas de alimentos por ano em restaurantes.

Émerson dos Santos
6 min readDec 9, 2020

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Nova lei permite que refeições não vendidas sejam doadas

Excesso de alimentos de restaurantes poderão ser doados a partir de agora. Foto: Felipe Cardoso

Por Émerson Santos e Felipe Cardoso

A insegurança alimentar voltou a preocupar os brasileiros, colocando o país de volta ao Mapa da Fome. De acordo com Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017–2018, mais de 10 milhões de pessoas relataram ter passado fome. Em contrapartida, no mesmo período, estudo realizado pelo World Resourses Institute constatou que em torno de 6 mil toneladas de alimentos são desperdiçados por ano nos restaurantes.

Com base nesses dados que o Presidente da República, Jair Bolsonaro, sancionou, em junho, o projeto de Lei 14.016 que autoriza estabelecimentos dedicados à produção de alimentos, como bares e restaurantes, a doarem os excedentes de refeições que não tenham sido comercializadas. O objetivo é evitar o desperdício de alimento, facilitando a sua doação a pessoas em situação de vulnerabilidade.

Projeto Porto Alegre contra a Fome

O Ministério Público do Rio Grande do Sul, assinou no dia 08/10/2020 um protocolo de intenções com treze instituições e/ou estabelecimentos comerciais que atuam em Porto Alegre. O documento prevê o ajuste de um fluxo interinstitucional de caráter continuado de boas práticas no combate à fome, dando assim visibilidade à nova Lei de Doação de Excedentes de Alimentos, a Lei nº 14.016/2020.

Uma das instituições que participam do “Projeto todos juntos” é o restaurante Espetto Carioca. Um dos sócios do restaurante, Roberto Mônaco nos contou sobre essa parceria com o Ministério Público.

“É uma parceria entre o MP, a entidade que está sendo ajudada por nós e o nosso restaurante Espetto Carioca de Poa . Com essa parceria, no nosso caso a quantidade de comida que não será desperdiçada é de 15 a 20 kg por mês.”

Roberto Mônaco sócio do restaurante Espetto Carioca, fazendo entrega dos alimentos para uma entidade beneficiada. Foto: Espetto Carioca

Roberto Mônaco também explicou como funciona o repasse dos alimentos para a entidade beneficiada.

“O MP nos informou que o padrão é que uma entidade ligada à prefeitura faria a coleta dos itens e depois iria distribuir para entidade beneficiada, mas como o nosso caso é um caso específico que é diferente por exemplo do mercado, que são produtos embalados para revenda ou para consumo e o nosso é o produto já feito, um prato de comida pronta, já cozida, é diferente. Então nesse caso para facilitar e agilizar é feito a entrega diretamente a entidade beneficiada, que nesse caso nós avisamos a entidade beneficiada, agendamos com eles, preparamos tudo e eles vão até o nosso restaurante. Daí eles fazem a coleta da comida e levam para fazer a entrega às pessoas que irão receber o alimento.”

Especialista questiona responsabilidades do doador

A Lei n° 14.016 tem a intenção de combater o desperdício de alimentos e promover a doação de excedentes de alimentos para o consumo humano. Apesar disso, muitas discussões têm surgido em relação à Lei, quanto às responsabilidades do doador e intermediário, segurança do alimento e do consumidor.

Entramos em contato com Dafné Didier — Cofundador e Diretor de Assuntos Regulatório da Tacta Food School, que é um crítico ferrenho da nova Lei.

“Vários pontos da Lei me deixam completamente indignado! E quando falo isso é com muita indignação mesmo. Sabe aquele sentimento de ser enganado? É o que sinto quando leio a Lei n° 14.016.”

Especialista Dafné Didier é um critico da nova lei. Foto: Dafné Didier

Os temas mais discutidos e contestados da Lei 14.016/2020 são esses dois trechos abaixo:

art. 1º, inciso II– não tenham comprometidas sua integridade e a segurança sanitária, mesmo que haja danos à sua embalagem;

art. 1º, inciso III — tenham mantidas suas propriedades nutricionais e a segurança sanitária, ainda que tenham sofrido dano parcial ou apresentem aspecto comercialmente indesejável.

Para Dafné, esse dois trechos são um absurdo, pois não se tem nenhuma garantia que o alimento estará seguro.

“Uma vez a embalagem danificada, dependendo do tipo, ela poderá ter sua estrutura e composição rompida e causar migração de substâncias indesejáveis para o alimento, além de afetar a validade do produto. Caso isso ocorra, como se garantirá que o alimento ainda está apto para o consumo humano? São preocupações que não podem simplesmente passar despercebidas. Isso é um absurdo!”

Questionado sobre o tema, Roberto Mônaco explicou como é feita a seleção:

“Nós estamos selecionando somente os produtos que são produzidos, diferentes do que os clientes pediram. Neste caso, fazemos novamente os pedidos de acordo com o solicitado pelo cliente, separamos os em desacordo com a vontade do cliente acondicionados dentro dos padrões de qualidade e preservação embalando os mesmos para serem doados a entidade beneficiada. Agendamos a coleta destes produtos e entregamos a ela desde que estejam 100% de acordo com os padrões de segurança alimentar e saúde pública.”

ONG é favorável à nova Lei

Segundo dados da Prefeitura de Porto Alegre, repassados após pedido de LAI, o último levantamento realizado pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC) em 2020, são mais de 2.600 mil pessoas em situação de rua na Capital.

Uma das saídas para conseguir um lugar durante a noite e conseguir alimentação são os albergues. Segundo dados da prefeitura, de Janeiro a Setembro de 2020 tiveram 43.050 acessos na rede de serviços da cidade, sendo que a mesma pessoa pode ter vários acessos. O dado não se refere ao número de pessoas, mas ao acesso ao serviço. Até Março a rede de albergues era formada por Albergue Acolher I, Acolher II, Felipe Diehl e Dias da Cruz. No terceiro trimestre (Março, Abril, Maio) passaram a contar com o Acolher II e Dias da Cruz. As mudanças tratam da reorganização dos serviços para atendimento às demandas da pandemia. Neste mesmo período foram entregues pela prefeitura 62 mil cestas básicas para pessoas carentes.

A Lei n° 14.016 tem a intenção de ajudar essas pessoas que possuem essa necessidade, que falta alimento e passam dificuldades nas ruas. Para Natália Borges Martins, organizadora do “Projeto morador de rua”, a nova lei deveria existir a muito tempo e ainda destaca que tem que seguir os devidos protocolos.

“Essa lei já devia ter vindo a muito tempo, porque realmente é muito desperdício de alimentos em restaurantes e acaba se desperdiçando muito então, eu acredito que sim dá para doar esses alimentos que restam, desde que sigam os protocolos sanitários e que eles cheguem na mão das pessoas que estão recebendo a doação com a mesma qualidade que estava no restaurante. Não dá para entregar qualquer alimento, pois não é porque as pessoas estão nessa situação de rua, por exemplo, que se deve entregar qualquer alimento, tem que entregar um alimento de qualidade e que também seja digno de respeito. Enfim, eu acredito que essa lei é muito boa e que seja seguido todas as normas sanitárias, para que a doação ocorra da melhor forma.”

Natália ainda conta sobre o “Projeto morador de rua” onde ela é organizadora junto com outras 4 organizadoras e que contam com a ajuda de mais de 100 voluntários.

“O Projeto morador de rua é um projeto social, ainda não somos formalmente uma ONG, mas a gente está se encaminhando para ser e o nosso objetivo é auxiliar a população em situação de rua principalmente a direitos básicos como alimentação, higiene, mas também a gente tenta levar um pouco de cultura como doação de livros ou até mesmo quando a gente ainda fazia ações presenciais, levamos alguém para tocar algumas músicas. Então essa é a nossa ideia de ser uma confraternização, comer, poder conversar junto, se divertir e não apenas entregar o alimento e ir embora.”

Ação do projeto morador de rua no natal passado. Foto: Natália Borges Martins

Fala, povo- Lei da doação de alimentos

A Lei de doação de alimentos gera interpretações diferentes, mas qual é a opinião da sociedade ?

E você, qual a sua opinião?

Reportagem produzida em Dezembro de 2020 na disciplina de Produção de Jornal na Faculdade de Jornalismo da UniRitter.

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Émerson dos Santos

Jornalista. Bem comunicativo, rápida aprendizagem e disposto a aprender sempre.📚💡🙏🏻